segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Convenção dos feridos por amor


Disposições gerais:
1- Em se considerando que está absolutamente correto o ditado "tudo vale no amor e na guerra";
2- Em se considerando que n aguerra temos a Convenção de Genebra, adotada em 22 de agosto de 1864, determinando como os feridos em campo de batalha devem ser tratados, ao passo que nenhuma convenção foi promulgada até hoje com relação aos feridos de amor, que são em muito maior número;

fica decretado que:

Art.1- Todos os amantes, de qualquer sexo, ficam alertados que o amor, além de ser uma bênção, é capaz de acarretar danos sérios. Consequentemente, quem se propõe a amar deve saber que está expondo seu corpo e sua alma a vários tipo sde ferimentos, e não poderá culpar seu parceiro em nenhum momento, já que o risco é o mesmo para ambos.

Art.2- Uma vez sendo atingido por uma flecha perdida do arco de Cupido, deve em seguida solicitar ao arqueiro que atire a mesma flecha na direção contrária, de modo a não se submeter ao ferimento conhecido como "amor não correspondido". Caso Cupido recuse tal gesto, a Convenção ora sendo promulgada exige do ferido que imediatamente retire a flecha do deu coração e a jogue no lixo. Para conseguir tal feito, deve evitar telefonemas, mensagens por internet, remessa de flores que terminam sendo devolvidas, ou todo ou qualquer meio de sedução, já que os mesmos podem dar resultados a curto prazo, mas sempre terminam dando errado com o passar do tempo. A Convenção decreta que o ferido deve imediatamente procurar a companhia de outras pessoas, tentando controlar o pensamento obsessivo "vale a pena lutar por esta pessoa".

Art.3- Caso o ferimento venha de terceiros, ou seja, o ser amado interesosu-se por alguém que não estava no roteiro previamente estabelecido, fica expressamente proibida a vingança. Neste caso, é permitido o uso de lágrimas até que os olhos sequem , alguns socos na parede ou no travesseiro, conversas com amigos onde se pode insultar o(a) antigo(a), alegar sua completa falta de gosto, mas sem difamar sua honra. A Convenção determina que seja também aplicada a regra do Art.2: procurar a companhia de outras pessoas, preferivelemente em lugares diferentes dos frequentados pela outra parte.

Art.4- Em ferimentos leves, aqui classificados como pequenas traições, paixões fulminantes que não duram muito, desinteresse sexual passageiro, deve-se aplicar com generosidade e rapidez o medicamento aplicado, não se deve voltar atrás uma só vez, e o tema precisa estar completamente esquecido, jamais sendo utilizado como argumento em uma briga ou em um momento de ódio.

Art.5- Em todos os ferimentos definitivos, também chamados "rupturas", o único medicamento capaz de fazer efeito chama-se Tempo. Não adianta procurar consolo em cartomantes (que dizem que o amor perdido sempre irá voltar), livros românticos (cujo final é sempre feliz), novelas de TV ou coisas do gênero. Deve-se sofrer com intensidade, evitando-se por completo drogas, calmantes, orações para santos. Álcool só é tolerado em um máximo de dois copos de vinho por dia.

Determinação final: os feridos por amor, ao contrário dos feridos em conflitos armados, não são vítimas nem algozes. Escolheram algo que faz parte da vida, e assim devem encarar a agonia e o êxtase de sua escolha.
E os que jamais foram feridos por amor, não poderão nunca dizer: "Vivi". Porque não viveram.

O livro dos manuais- Paulo Coelho

quinta-feira, 25 de dezembro de 2008


Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila. Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante. A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos. Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo. Deles não quero resposta, quero meu avesso. Que me tragam dúvidas e angústias e agüentem o que há de pior em mim. Para isso, só sendo louco. Quero os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças. Escolho meus amigos pela alma lavada e pela cara exposta. Não quero só o ombro e o colo, quero também sua maior alegria. Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto. Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade. Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos. Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça. Não quero amigos adultos nem chatos. Quero-os metade infância e outra metade velhice! Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto; e velhos, para que nunca tenham pressa. Tenho amigos para saber quem eu sou. Pois os vendo loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que "normalidade" é uma ilusão imbecil e estéril.


terça-feira, 23 de dezembro de 2008


" Vai passar, tu sabes que vai passar. Talvez não amanhã, mas dentro de uma semana, um mês ou dois, quem sabe? O verão está aí, haverá sol quase todos os dias, e sempre resta essa coisa chamada 'impulso vital'. Pois esse impulso ás vezes cruel, porque não permite que nenhuma dor insista por muito tempo, te empurrará quem sabe para o sol, para o mar, para uma nova estrada qualquer e, de repente, no meio de uma frase ou de um movimento te surpreenderás pensando algo assim como 'estou contente outra vez' "


Caio Fernando Abreu

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

A dor que dói mais


Trancar o dedo numa porta dói. Bater com o queixo no chão dói. Torcer o tornozelo dói. Um tapa, um soco, um pontapé, dóem. Dói bater a cabeça na quina da mesa, dói morder a língua, dói cólica, cárie e pedra no rim. Mas o que mais dói é saudade.
Saudade de um irmão que mora longe. Saudade de uma cachoeira da infância. Saudade do gosto de uma fruta que não se encontra mais. Saudade do pai que já morreu. Saudade de um amigo imaginário que nunca existiu. Saudade de uma cidade. Saudade da gente mesmo, quando se tinha mais audácia e menos cabelos brancos. Dóem essas saudades todas.
Mas a saudade mais dolorida é a saudade de quem se ama. Saudade da pele, do cheiro, dos beijos. Saudade da presença, e até da ausência consentida. Você podia ficar na sala e ele no quarto, sem se verem, mas sabiam-se lá. Você podia ir para o aeroporto e ele para o dentista, mas sabiam-se onde. Você podia ficar o dia sem vê-lo, ele o dia sem vê-la, mas sabiam-se amanhã. Mas quando o amor de um acaba, ao outro sobra uma saudade que ninguém sabe como deter.

Saudade é não saber. Não saber mais se ele continua se gripando no inverno. Não saber mais se ela continua clareando o cabelo. Não saber se ele ainda usa a camisa que você deu. Não saber se ela foi na consulta com o dermatologista como prometeu. Não saber se ele tem comido frango de padaria, se ela tem assistido as aulas de inglês, se ele aprendeu a entrar na Internet, se ela aprendeu a estacionar entre dois carros, se ele continua fumando Carlton, se ela continua preferindo Pepsi, se ele continua sorrindo, se ela continua dançando, se ele continua pescando, se ela continua lhe amando.

Saudade é não saber. Não saber o que fazer com os dias que ficaram mais compridos, não saber como encontrar tarefas que lhe cessem o pensamento, não saber como frear as lágrimas diante de uma música, não saber como vencer a dor de um silêncio que nada preenche.

Saudade é não querer saber. Não querer saber se ele está com outra, se ela está feliz, se ele está mais magro, se ela está mais bela. Saudade é nunca mais querer saber de quem se ama, e ainda assim, doer.

Martha Medeiros

segunda-feira, 8 de setembro de 2008


... uma das coisas que aprendi é que se deve viver apesar de. Apesar de, se deve comer. Apesar de, se deve amar. Apesar de, se deve morrer. Inclusive muitas vezes é o próprio apesar de que nos empurra para a frente. Foi o apesar de que me deu uma angústia que insatisfeita foi a criadora de minha própria vida. Foi apesar de que parei na rua e fiquei olhando para você enquanto você esperava um táxi. E desde logo desejando você, esse teu corpo que nem sequer é bonito, mas é o corpo que eu quero. Mas quero inteira, com a alma também. Por isso, não faz mal que você não venha, esperarei quanto tempo for preciso.
Clarice Lispector

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Que Belo e Estranho Dia Para Se Ter Alegria




Notícias perderão todo controle dos fatos Celebridades cairão no anonimato
Palavras deformadas
Fotos desfocadas
Vão atravessar o Atlântico
Jornais sairão em branco
E as telas planas de plasma vão se dissolver
O argumento ficou sem assunto
Vai ter mais tempo pra gente ficar junto
Vai ter mais tempo pra enlouquecer com você
Vai ter mais tempo pra gente ficar junto
Vai ter mais tempo pra enloquecer
Os políticos amanhecerão sem voz
O outdoor com as letras trocadas
Dentro do Banco Central
O pessoal vai esquecer como é que assina
A própria assinatura
E os taxistas já não sabem que rua pegar
Que belo estranho dia pra se ter alegria
Eu respondo e pergunto
É só o tempo pra gente ficar junto
É só o tempo de eu enloquecer com você
É só o tempo pra gente ficar junto
É só o tempo de eu enlouquecer
Alarmes já pararam de apitar
O telefone celular descarregou
O aeroporto tá sem teto
E a moça da TV prevê
Silêncios e nuvens
A firma que eu trabalho faliu
E o governo decretou feriado amanhã no Brasil
Será que é pedir muito?
É só um jeito da gente ficar junto
É só um jeito de enlouquecer com você
É só um jeito da gente ficar junto
É só um jeito de enlouquecer com você.



Roberta Sá


Existem pessoas que cosem pra fora, outras cosem pra dentro, eu não coso. Prefiro viver minha vida em fragmentos, os quais em cada um posso ter a liberdade de errar e acertar, sem me preocupar muito com o retalho da frente ou o anterior. Gosto da minha vida inconsútil, já que a cada dia sinto-me livre para relembrar momentos, para construir momentos, para ser feliz.
É o que alguns chamam de viver a vida intensamente, como se cada dia fosse ser o último. Eu prefiro dizer que vivo a vida porque sei que o principal valor da vida é a própria vida, e a fragmento com a certeza de que a cada episódio posso opinar em excluí-lo ou guardá-lo para que no fim, apenas no fim, seja feita uma grande colcha, e que a mesma console, cubra e proteja as pessoas que já não mais acreditam no amor e na verdadeira significação da vida, e por isso são quizilentos.
Acho essa uma boa desculpa para minha alegria constante, para meus risos incessantes e para meu humor insigne. Tento passar às pessoas que vale a pena sorrir apesar dos pesares. E que embora nossa vida seja como uma colcha de retalhos há como tamparmos o passado curtindo o presente que é a espera do futuro, sem nos preocupar muito em viver de acordo com um tamanho exato de pano, ousando sempre ampliar as alegrias e diminuir sempre que possível as mazelas da vida.
Isso dá uma liberdade tão grande quanto a alegria que fluirá ao ver sua colcha repleta de bons momentos, felicidades e diversões. Mas no fim, lá nas prestações de conta, enquanto isso prefiro não costurar minha vida, remetendo sempre esta culpa.


Carol Zacarias